Via mrsocialista
As mulheres da Argentina acabam de arrancar do Congresso do país a legalização do aborto, após anos de mobilizações de massa. Foi a ação direta nas ruas, a organização de base e a luta de classes conjunta com todos os trabalhadores e trabalhadoras que possibilitou a aprovação do projeto de lei, que coloca a Argentina como um dos únicos 6 países da América que reconhecem este direito básico das mulheres.
O projeto de lei aprovado no Senado hoje, dia 30/12, estabelece que as mulheres têm direito a interromper voluntariamente a gravidez até a 14ª semana de gestação. Foram 38 votos a favor da legalização, 29 contra e uma abstenção. A partir de agora, as mulheres terão direito a interromper voluntariamente a gravidez até a 14ª semana de gestação. Após este período, o aborto será permitido apenas em casos de risco de vida para a gestante ou quando a concepção é fruto de um estupro. Antes, o projeto de lei havia sido aprovado pela Câmara de Deputados por 131 votos favoráveis e 117 contrários, além de seis abstenções.
É a segunda vez em menos de três anos que o tema volta à pauta. O projeto, desta vez, foi encaminhado pelo governo de Alberto Fernández. Em 2018, ainda no governo Macri, uma proposta de legalizar o aborto na Argentina foi aprovada na Câmara, mas acabou rejeitada no Senado.
A razão pela qual o projeto foi aprovado desta vez foi a continuidade das mobilizações de ruas das mulheres, como parte da luta da classe trabalhadora. O governo de Alberto Fernández e o Congresso foram obrigados a aprovar o que já estava vitorioso nas ruas: as mulheres conseguiram uma maioria entre a população para legalizar este direito ao seu próprio corpo e a não morrer por complicações de abortos clandestinos e sem segurança.
Peronistas aprovam um projeto piorado, e tentam se apropriar da vitória da ação direta!
Segundo informações da agência Associated Press, os abortos clandestinos já causaram a morte de mais 3 mil mulheres no país desde 1983, podendo chegar até a 100 mortes por ano, além de haver cerca de 38 mil mulheres hospitalizadas por ano em decorrência de abortos.
A lei atual prevê a interrupção voluntária da gravidez só em caso de risco de vida para a mãe ou quando a gravidez decorre de um estupro. As mulheres argentinas lutaram com muita força durante muitos anos para que o aborto se tornasse um direito, a qualquer momento, sem burocracia e com a obrigatoriedade dos médicos e hospitais realizarem o procedimento, sem que se pudesse negar atendimento, já que se trata de um caso de saúde, de um direito humano e reprodutivo.
Como resultado desta luta, foi elaborado um projeto de lei a partir da chamada “Campanha nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito”, apresentado em 28 de maio de 2019, sendo a oitava tentativa de aprovação do tema no Congresso. O governo peronista de Fernández, no entanto, alterou pontos muito importantes do projeto, preservando parte do controle do Estado burguês sobre o corpo das mulheres.
Agora, o aborto pode ser realizado até a 14ª semana de gestação, desde que o procedimento seja solicitado ao serviço de saúde até dez dias antes deste prazo. O texto prevê que os médicos que são contra o aborto não são obrigados a executar o procedimento, mas os serviços de saúde precisam apontar um outro profissional que se disponha a fazê-lo. Se a paciente tiver menos de 16 anos, ela só poderá abortar se os pais permitirem. Entre 16 e 18 anos, as mulheres terão que lutar judicialmente para poder abortar sem a permissão dos pais. E se a mulher abortar fora das regras permitidas poderá ser condenada e presa!
Nós defendemos o direito das mulheres abortarem em qualquer momento da gravidez (o que não estava previsto sequer no projeto da “Campanha”), sem necessidade de aprovação do Estado burguês (o projeto da campanha previa no máximo 5 dias para a autorização e o governo e o Congresso aprovaram até 10 dias, o que pode inviabilizar o aborto da grávida que só souber da gestação tarde demais). Também defendemos a obrigatoriedade da realização do aborto, da mesma forma que um médico é obrigado a fazer um parto ou qualquer outro procedimento médico que a paciente precise. Fernández e os deputados peronistas e da “esquerda” aprovaram uma lei que autoriza que médicos se recusem a prestar socorro às mulheres que decidirem abortar. Um absurdo! Também repudiamos a proibição de mulheres a partir dos 16 anos decidirem sobre seu próprio corpo, sem precisar de aprovação dos pais.
No entanto, apesar de todas as restrições do projeto, sua aprovação é uma enorme vitória popular e feminista. Saem derrotados o patriarcado, o machismo, a burguesia e todos os partidos patronais na Argentina, incluindo o Partido Justicialista (peronista) de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, atual vice-presidente. Os peronistas governaram a Argentina na maioria dos anos nas últimas décadas e nunca haviam mudado a lei. A própria Cristina Kirchner foi presidente e sempre sustentou o machismo e a violência contra as mulheres, mantendo a proibição do aborto.
Portanto, esta vitória é única e exclusivamente da classe trabalhadora, com as mulheres à frente. Se dependesse de uma estratégia parlamentar, o aborto nunca seria aprovado na Argentina nem em lugar nenhum do mundo. O machismo e o patriarcado são indispensáveis para a burguesia seguir lucrando. Não há capitalismo sem opressões, e o machismo ainda seguirá existindo na Argentina, impulsionado, inclusive, pelo governo Fernández. Mas a vitória da legalização do aborto mostrou o caminho: é nas ruas e através da ação direta que se muda a realidade e se arrancam as conquistas!
Engravidar segue sendo sentença de morte e sofrimento para milhares de mulheres na América.
Os países do continente americano onde o aborto é legalizado são apenas 6, já considerando a Argentina: Canadá, Uruguai, Cuba, Guiana e Porto Rico. Além destes 6 países, em vários estados dos Estados Unidos o aborto é legalizado, bem como na Cidade do México e em Oaxaca (capital do México e um estado do país, respectivamente) e na Guiana Francesa, que é uma colônia da França.
Em ao menos 5 países o aborto é proibido de maneira absoluta, sem exceções, e pode levar à cadeia: El Salvador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Haiti. E, em todos os demais, há algumas condições para o aborto, diante do risco de vida da gestante, de estupro, de má-formação do feto, de incesto ou de fatores econômicos.
No geral, a maioria das mulheres do continente e do mundo é impedida de decidir sobre o seu corpo e condenada a sofrer com uma gestação indesejada ou, então, morrer ou ter seqüelas físicas e/ou psicológicas em decorrência de abortos clandestinos, inseguros, muitas vezes caríssimos e sem as devidas condições de higiene.
Legalização Já do aborto no Brasil
Recentemente, o direito ao aborto foi aprovado na Nova Zelândia, na Irlanda e na Argentina. São 3 países importantes em 3 continentes diferentes, e todos eles cristãos, sendo dois deles bastante religiosos (Irlanda e Argentina). Apesar dos movimentos reacionários de igrejas e machistas nestes países, o direito ao aborto venceu porque as mulheres lutaram e derrotaram o sistema. Isto é conseqüência da situação revolucionária mundial que vivemos e do Ascenso da classe trabalhadora, que já arrancou outras inúmeras vitórias no âmbito dos direitos civis e contra o machismo, o racismo e a LGBT+fobia em dezenas de países.
No Brasil, também houve avanços legais e comportamentais importantes nos últimos anos, todos eles como resultado do crescimento do movimento feminista e das lutas sociais. Mas o tema do aborto segue sendo um tabu no país. Nenhum partido levanta esta bandeira nas eleições, nem o PT, nem o PCdoB nem mesmo o PSOL! Nenhuma Central sindical faz ou já fez qualquer campanha pela legalização do aborto. A CUT nunca fez, a CTB nunca fez e a CSP-Conlutas nunca fez (no máximo, foi feita uma “cartilha”, com alguns exemplares distribuídos a poucas dúzias de sindicatos).
A “esquerda” brasileira tem vergonha de tocar no assunto. É uma esquerda reacionária, machista, religiosa, covarde e eleitoreira, temendo perder votos se defender o aborto. Neste sentido, os governos do PT e de Bolsonaro são absolutamente iguais. Durante 14 anos, o PT governou o Brasil (6 deles por meio de uma mulher, Dilma Roussef) e nunca avançou um milímetro neste assunto. Ao contrário: Lula se aliou desde o início aos fundamentalistas religiosos e se comprometeu a não fazer este debate. Quando foi eleito em 2002, seu vice, José Alencar, foi escolhido como representante dos evangélicos mais machistas e homofóbicos. Dilma se elegeu em 2010 jurando lealdade aos pastores e prometendo manter a proibição ao aborto. Nestes 14 anos de PT, foi feito um acordo especial com o Vaticano para o ensino católico ser subsidiado pelo dinheiro público e ser prioridade nas escolas públicas, centenas de mulheres foram processadas e perseguidas por abortar e figuras execráveis como o pastor Marcelo Crivella eram ministros e aliados do governo.
A primeira candidata a presidente pelo PSOL, uma mulher, Heloísa Helena, fazia questão de dizer que era contra o direito ao aborto. Todos os candidatos do partido que vieram depois dela se calaram diante do assunto. Da mesma forma, a UNE e a UBES (maiores entidades estudantis do Brasil), o MST, o MTST (de Guilherme Boulos) e a imensa maioria dos sindicatos no Brasil não defendem o direito ao aborto. É uma vergonha completa!
O MRS defende o direito ao aborto em todas as entidades que faz parte, não por acaso sendo estes sindicatos e frentes parte da diminuta exceção de entidades que defendem o direito ao aborto. Também propusemos campanhas em defesa da legalização do aborto há mais de 10 anos dentro da Conlutas; sempre sendo derrotados pelo PSTU/PSOL, que se recusa a fazer uma campanha de rua, em grande escala, sobre esta demanda.
É urgente legalizar o aborto no Brasil e no mundo! E chamamos todas as mulheres e a classe trabalhadora a seguirmos o exemplo da Argentina e dos demais países em que a luta pelo direito ao aborto já foi vitoriosa. Vamos às ruas! Por um feminismo de verdade, combativo e da ação direta. Contra o machismo estrutural, a violência contra a mulher, as opressões e o capitalismo. Pelo direito de decidir, por nossas vidas e por cada uma de nós!